
O milagre da Educação
NOTÍCIAS relativamente recentes colocaram Portugal de novo atrás da Grécia no «ranking» económico dos países europeus. Corrigido para o custo de vida, um casal grego empregado na indústria ganharia cerca de duas vezes o montante de um casal português a trabalhar no mesmo sector.
Numa outra notícia, o grau de iliteracia efectiva, isto é, a capacidade de ler e interpretar textos, dados e instruções, seria em Portugal o mais baixo da Comunidade Europeia.
Uma terceira estimativa diz-nos que só daqui a duas gerações, cerca de 50 anos, alcançaríamos um nível de vida comparável à média europeia. Depois de mais de uma década a fugir do epíteto «o mais pobre da Comunidade Europeia», «com o sector menos desenvolvido…», voltámos ao mesmo?
A corrida com a Grécia assemelha-se a uma espécie de «quem ri por último ri melhor» da economia, em que, mal esboçamos um sorriso, logo alguém nos tira de novo a razão para rir. Que atenção merecem estes números? O que significam realmente?
A boa nova é que, em termos de rendimento «per capita», ou seja, quanto produz em média o cidadão, ultrapassámos a Grécia, de forma serena, no fim dos anos 80. Em vários indicadores estaremos ainda aquém, mas em média produzimos e consumimos mais. A má notícia é que a Grécia é a referência errada. As taxas de crescimento que realmente
devemos tentar emular são as dos países asiáticos, como a Coreia e Taiwan. Ou, para uma experiência mais recente e mais próxima, a Irlanda.
Com crescimentos anuais acima dos 5%, estes países são paradigmas de convergência real. Os seus habitantes podem esperar ver o seu rendimento duplicar em menos de uma geração. Desde os anos 60, os países da Ásia de Leste catapultaram-se de níveis de rendimento semelhantes aos da América Latina para níveis vizinhos dos dos países industrializados. Os habitantes de Hong Kong são hoje mais ricos que os da sua ex-potência colonial, o Reino Unido. A mesma ultrapassagem simbólica aconteceu com a Irlanda nos anos 90.
Estes milagres económicos são apenas excepções à regra. Em geral, os países pobres experimentam ritmos de crescimento mais baixos que os dos países ricos. Os pobres tendem a continuar pobres: para os países do mundo, a convergência real é um conceito, não uma realidade! O que a Irlanda, Hong Kong, Taiwan e Coreia têm em comum e os distingue de outros países em desenvolvimento é o elevado nível de investimento em educação.
Todos estes milagres económicos se basearam em sistemas de ensino competentíssimos, bastante melhores que os da maioria das nações industrializadas. As análises empíricas confirmam-no: países que investem em educação crescem mais; países que não investem em educação crescem bastante menos.
E Portugal? Como estamos de educação? Historicamente, mal. Douglass North, laureado com o Nobel de Economia em 1993, compilou informação sobre o número de estudantes em percentagem da população total nos idos de 1850. Portugal aparece com 1,22%, a «performance» menos animadora, com quatro vezes menos estudantes «per capita» do que a Grécia, cinco vezes menos que a Irlanda e 20 vezes abaixo da Nova Inglaterra, o líder de então. De então para cá, a situação melhorou mas, como os números recentes revelam, não se inverteu. O impulso para universalizar a educação básica e secundária só recentemente se concretizou.
A I República não soube, o Estado Novo não soube ou não quis, e só nos últimos vinte anos se abriram amplamente as portas do ensino básico, secundário e das universidades. Segundo um recente estudo do Fundo Monetário Internacional, os gastos com a educação em parcela do produto são superiores em Portugal aos de qualquer outro país industrializado.
É a eficiência desse investimento que deixa bastante a desejar. Em 1990 a taxa de reprovação no primário era cinco vezes mais elevada em Portugal do que em outros países da OCDE. Um panorama semelhante ao que se vive no ensino secundário e superior. As altas taxas de desistência traduzem-se no baixo nível de graduados: mesmo na faixa jovem dos 25 aos 34 anos, não mais de 32% completaram o liceu em Portugal, comparados com 75% para a OCDE em geral. O repto é, depois da quantidade, ser capaz de aumentar a qualidade do ensino.
Depois do acesso às escolas e universidades, o sistema democrático terá a sua prova final na capacidade de reforma do ensino. O poder do número entretanto impôs-se. Os estudantes são hoje capazes de imobilizar sucessivos ministros da Educação, à esquerda e à direita. Reformas «ideais» pensadas em gabinete agonizam rapidamente na rua. Está demonstrado que a transformação do sistema educativo requer bastante mais perícia e capacidade política do que um simples aumento dos «numerus clausus».
Uma verdadeira autonomia universitária, mais que uma mera garantia de financiamento público; a introdução de uma concorrência salutar entre unidades de ensino, permitindo aos alunos procurar a melhor escola para os seus interesses e as suas capacidades; um apoio eficaz aos alunos competentes que abandonariam os estudos por razões económicas.
Estas e outras reformas da educação não podem ser mais adiadas. Porque em economia os milagres são raros e para acontecerem exigem investimento, saber individual e coragem dos governos. Quase não é preciso paixão. Apenas saber e coragem.
José Tavares
Professor, Departamento de Economia, University of California, em Los Angeles
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