A intuição e a observação de um agricultor podem dar início a grandes mudanças. No município gaúcho de Machadinho, um produtor descobriu uma erva-mate mais suave e mudou a economia da região.
Numa roda de chimarrão todo mundo já sabe. O tomador deve seguir regras, uma lista de mandamentos:
“Um dos mandamentos é não reclamar do gosto forte, amargo do mate. Outro é não dormir com a cuia na mão, porque na roda mate ficamos conversando e esquecemos de passar”, explica.
O primeiro mandamento do chimarrão é jamais colocar açúcar pra deixá-lo mais suave. Seria um sacrilégio, mas num dos estados de maior consumo de chimarrão, o Rio Grande do Sul, o mate de sabor naturalmente suave virou raridade.
Estamos no município de Machadinho, ao norte do Rio Grande do Sul. Aqui, há cerca de quarenta anos, existia muito mate nativo. Mas, justamente pela grande quantidade, o produtor não conseguia boa venda e acabou trocando a erva pela soja.
Só nos anos oitenta, o mercado acusou a escassez de mate. O produtor tentou recompor seus ervais, mas como o mate nativo já tinha desaparecido, ele passou a plantar mudas de origem desconhecida.
O problema é que, quando o gaúcho começou a colher a erva plantada, se deparou com folhas de sabor muito forte. O resultado, quem explica é o vice-presidente da Apromate, a associação de produtores de erva mate de Machadinho.
“Hoje temos que buscar erva mate nativa no Paraná, o que a gente não quer é que o industrial coloque açúcar no mate pra suavizar”, explica.
Mas, graças ao olhar atento desse produtor, a realidade em machadinho está mudando. Seu Teodoro, ou Dorinho como é conhecido, é um apaixonado pela erva-mate e em seus passeios pelo erval notou uma planta diferente.
“Cortava ela, que eu não cortava as outras a gente notava que ela crescia mais, o dobro praticamente. A cor da folha é mais cinzenta clara, pra quem consegue a tradicional é claro esta diferente”, conta.
Clairton, filho do seu dorinho, espalhou a novidade para os amigos do colégio agrícola e ajudou o pai a fazer um plantio separado.
“A gente pegou algumas mudas, já plantou e as mudas desenvolveram super bem e as coisas só andaram”, conta.
Sete anos depois, o colega de Clairton, Ilvandro, já formado em agronomia, voltou pra ver se a história que o amigo contava era verdade mesmo ou só conversa de ervateiro.
“Começamos a processar erva mate e viemos até a propriedade do sei Dorinho com o objetivo de comprar a erva. Depois ele nos levou a um outro plantio totalmente diferente”, conta.
Numa segunda visita, Ilvandro trouxe o agrônomo Gabriel Correa, que, na época, trabalhava na Embrapa. “A observação do seu Dorinho é uma coisa rara em plantios de erva mate. Ele tinha um plantio que sabia exatamente quem era a matriz de onde aquele plantio originou e com o teste industrial que indicou que aquele plantio tinha uma bebida suave, que o mercado do chimarrão valoriza, então estava comprovada a mãe daquele plantio, ela tinha a característica genética muito interessante”, explica.
Através de testes de DNA foi possível determinar qual era a planta macho responsável pelo cruzamento. Estava definida uma nova linhagem, batizada de cambona quatro. Numa homenagem à uma chaleira, a cambona, usada antigamente pelos tropeiros pra aquecer água pro chimarrão. De um pequeno pomar saem as sementes para os plantios que se espalharam pela região.
Juntas, as árvores chegam a produzir dezessete quilos de sementes por ano, mas como são bem pequenininhas, em cada frutinho tem quatro, um quilo é muita semente. Dá pra fazer umas cinquenta mil mudas já calculadas as perdas. O suficiente pra se plantar vinte hectares de erva mate.
Seu Dorinho é o único produtor de sementes.
- “Quanto que o senhor recebe pelo quilo de semente vendida?”.
- “Ele pronta, lavada, eu recebo mil e duzentos pelo quilo”.
- “Quanto acima de outras variedades?”.
- “Barbaridade, isso aí eu acho que dá uns 80% a mais”.
Apenas quatro viveiristas fazem mudas a partir das sementes de cambona. Clairton é um deles. Ele e a mulher, Ãngela, tiram a polpa dos frutinhos e, depois, lavam as sementes. “Vai chacoalhando, vai tirando a casca e vai limpando. Mesmo processo que se tivesse num garimpo”, explixca.
A semente sequinha só vai ser semeada daqui a cinco meses.
- “A gente está vendendo 50 mil mudas por ano”.
- “Isso dá uma renda em torno de quarenta mil reais”.
- “É maior do que se a muda fosse de uma erva mate comum?”.
- “É bem maior, se fosse comum a gente ia faturar uns 25 mil só”.
Quase todas as pequenas propriedades de Machadinho têm sua área de erva. A região colheu em 2009, 2.200 toneladas de mate, 440 são de cambona.
Junto com o aumento nas áreas plantadas com a nova erva, a pesquisa também avança. Aqui estão sendo feitos testes de adubação para avaliar o potencial da cambona. Até agora já se sabe que o rendimento dela é bem maior que o do mate comum.
No Rio Grande do Sul, a média de produção de um erval com idade entre dez e doze anos é de quinhentas e setenta arrobas por hectare e a cambona com apenas seis a oito anos rende mil arrobas.
É dia de corte do mate nesta propriedade. Seu Adroaldo Brandão começou a plantar cambona há seis anos e faz a comparação com a erva comum.
“A diferença é muito grande. A produção dá no mínimo 40% mais. Calcule, vale sempre. Num tem coisa pra competir. Eu tenho 0,8 de cambona e fiz seis mil reais”, diz.
A arroba da cambona vale 40% a mais que a arroba da erva comum. E todo o mate produzido em Machadinho e outros cinco municípios da região é comprado por uma cooperativa que tem indústria própria para processar o produto. A erva sai embalada, pronta pra venda.
“A cambona 4 vem pra fazer o blend. É usada a cambona 4 para suavizar e a erva que o produtor já tinha ele continua mantendo nos ervais pra gente vender no mercado de exportação mais próximo, Uruguai e Chile. Como o mercado interno quer mais suave a gente pode fazer esse blend e adequar o sabor que cada um prefere tomar seu chimarrão”, explica.
- “Dá pra dizer que a cambona 4 mudou a economia de machadinho?”
- “Sem dúvida nenhuma. Veja, tem uma indústria com mais de cem empregos diretos no campo. É uma empresa. Para um município de cinco mil habitantes, é considerável e esse dinheiro gira dentro do município. É tudo pequena propriedade. O produtor pode melhorar a casa, carro, eletrodomésticos, melhorar a sua vida”.
Seu Anacleto Pieri é um exemplo dessa melhoria de vida. Até pouco tempo, ele e dona Odete plantavam grãos.
“Em 95 decidimos plantar feijão nessa área aqui. O feijão tava bonito só que começou a seca e não produziu nada. Eu cheguei a pensar em desistir”, conta.
Seu Anacleto decidiu, então, mudar de cultivo. No ano seguinte investiu na cambona. “Dai começou a produzir e fomos plantando. Tem quinze mil pés no total de árvore, só que tem umas quatro, cinco mil mudas que agora que vai começar a produzir. Não tem soja, nem feijão, nem milho”, diz.
Durante vários anos, toda renda que se sobrava da erva mate era economizada com um único objetivo, construir uma casa melhor. Há um ano eles estão morando numa casa bonita, no meio do erval.
É tudo muito arrumadinho. A casa dos sonhos da dona Odete. E tem um jardim bonito e produtivo, que pode garantir a realização de outros sonhos. “Ver a Josiani e a Mônica formadas”, afirma.
Mônica, de 17 anos, ainda ajuda na propriedade. Josiane, de 22, trabalha de babá na cidade. Estuda ciências contábeis e sabe o valor que tem a erva mate.
“Eu não teria oportunidade de estar estudando como eu to. Com a erva dá mais rendimento”, diz.
E nada melhor que uma roda de chimarrão pra reunir os principais personagens dessa história de sucesso. Sucesso que já traz para a nova geração mais liberdade de escolha diante do futuro. E tudo graças a um metro e meio de produtor observador e teimoso.
“A cambona 4 é um exemplo muito claro da junção do saber do produtor, da experiência dele, da capacidade de observação com a pesquisa”.
“Machadinho está dividido em duas situações: antes da cambona 4 e depois da cambona 4”.
“A gente se satisfaz, fica faceiro de ter bastante reconhecimento. Todo mundo, falou no Dorinho, é o homem da erva, que descobriu erva boa. Muito orgulho”.
E seu Dorinho cumpre logo dois mandamentos do tomador de chimarrão: bebe o mate até acabar e nada de sentir vergonha do ronco no final.
Olho aberto do agricultor, ouvido atento do pesquisador e mercado ávido por boa matéria-prima foram os ingredientes da história da cambona. Quem sabe, a próxima descoberta não será a sua?
Um comentário:
Muito interessante essa percepção né....vc não tem o contato de onde comprar as mudas ?
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